quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Piscinão na Praça São Crispim - Solução esdruxula para as enchentes no Mercadão da Lapa


A Praça São Crispim na Lapa-São Paulo-SP abriga mais de 50 arvores, muitas delas enormes e lindas. É habitat e espaço harmônico frequentado por atletas do alvorecer e do entardecer, idosos que se exercitam em equipamentos, ou que simplesmente curtem a sombra e a paisagem, cães levados por seus donos para exercitar o olfato, mães e filhos que se divertem no parquinho, morcegos, abelhas, sabiás, maritacas, beija-flores e até papagaios que se alimentam das diversas especies dessa micro floresta.


Um projeto da PMSP por meio de PPP(parceria público privada), pretende fazer 5 piscinões em áreas verdes da cidade e um deles é nesse local.

Esse projeto da PPP dos Piscinões, que tramitou sem o conhecimento da população, dá a concessão para uma empresa privada criar um buracão tampado com uma imensa lage de concreto (45 metros de diâmetro), incluindo a rua Pontaporã que corta a praça ao meio, transformando uma rica e verde praça em um mini largo da batata e seu consequente deserto paisagístico, em troca do direito de explorar comercialmente o espaço sobre a laje por um período de 33 anos, tornando propriedade privada uma praça e uma rua.

Em contradição com as propaladas politicas de inclusão e redução da desigualdade social e de combate as mudanças climáticas, os burocratas funcionalistas, com seu questionável padrão urbanístico, falta de visão multidisciplinar e rigor ao receituário ideológico, norteiam as intervenções na praça São Crispim repetindo as desastrosas formulas usadas na implantação do corredor de ônibus na Av. Santo Amaro.

Além do alto custo ambiental e da promoção de toda sorte de deterioração do ambiente, dos usos do espaço público e de sua base cultural, é evidente que essa agressão ao patrimônio público reproduzirá os erros cometidos na Av Santo Amaro, criando o caos, a desvalorização imobiliária, prejuízos ao comercio e a atividade econômica, abandono de imóveis, geração de cortiços, destruição da fonte de sobrevivência de comércios, de seus proprietários e da população com os empregos que criam, os impostos que geram, sendo a pá de cal nos que bravamente ainda resistem a crise.

Mas será que esse alto custo financeiro, ambiental e social vale a pena ser pago para resolver o problema de enchentes nas proximidades do mercadão da Lapa?

Por esse pequeno estudo utilizando o Google Earth, um mapa topográfico  e um hidrográfico a resposta é NÃO!

Se fosse realmente necessário fazer um piscinão na região da praça São Crispim, ao lado dela há o terreno do antigo supermercado Sé, que é maior e está vazio há mais de uma década. Não há lógica alguma em acabar com uma praça como a São Crispim quando se tem outra opção que não causa tantos prejuízos.

Mas há opções ainda melhores!

A Bacia do córrego Tiburtino é formada basicamente por dois afluentes, limitados pelo espigão da Rua Cerro Corá, onde ficam suas nascentes. Um deles fica na bacia compreendida entre a Rua Pio XI e Rua Toneleiros, coletando as águas de uma área de aproximadamente 0,86 Km2. O outro fica entre a Rua Toneleiros e a Rua Aurélia, e coleta águas de cerca de 1,25 Km2, área praticamente 50% maior que a primeira.

Um piscinão na praça São Crispim coletaria as águas de chuva da menor parte da bacia do Tiburtino, diminuindo a enchente no mercadão em apenas 29%. Seria muito mais eficiente fazer um reservatório em algum ponto da rua Francisco Alves onde poderia coletar até 42% das águas que hoje chegam ao mercadão.





Mas, se a prefeitura de fato quisesse resolver o problema do povo e não, ao que parece, de algum investidor interessado em se apossar de uma área pública, o projeto seria para construir um reservatório a menos de 400 metros da Praça São Crispim, nas imediações do cruzamento da rua Coriolano com a Jeroaquara ou dentro da parte sub-utilizada do Hospital Sorocabana. Esse piscinão coletaria as águas dos dois afluentes e a redução nos alagamentos no mercadão seria de 71%, mais que o dobro da "esquisita" opção encontrada pela prefeitura.

Obs. Os valores das áreas descritas não foram obtidos sob rigor acadêmico, porém estão bem próximos de trabalhos divulgados na internet.


Atualização:

Recomendo também a leitura da tese de mestrado apresentada ao IPT, sob o título "Efeito da infraestrutura verde na redução de pico de vazão de escoamento de águas pluviais na bacia do Córrego Tiburtino", de Paulo Roberto Santos Corrêa de Carvalho, onde ele  aponta inúmeras alternativas de baixo custo para aumentar as áreas permeáveis e reduzir as enchentes na Lapa, mostrando que piscinão não é a unica solução para o problema de enchentes. Clique aqui para baixar o trabalho em PDF.


Há ainda esse interessante projeto arquitetônico que encontrei na internet, de Diogo Figueiredo, da FAAP, onde ele desenvolve a ideia da construção de um balneário público no terreno do antigo supermercado ao lado da praça. Diogo sugere que um piscinão no local poderia ter sua água tratada para uso como piscina na época seca, incluindo ainda quadras de esporte, restaurante, vestiários e etc.





Atualização (31/12/2019):
Além de receber as águas de apenas 29% da bacia do córrego Tiburtino, um piscinão na praça São Crispim, com capacidade de armazenar 21,5 mil m3, conforme o projeto, já encheria com uma chuva de apenas 25mm, sendo que os temporais que provocam transtorno na cidade são acima de 50 mm, podendo até ultrapassar 100mm. Há que se descontar nessa conta o volume que pode ser escoado pelas galerias e o que pode ser absorvido por praças, canteiros e etc, mas num calculo grosseiro já percebe-se que essa "solução" não solucionará nada, não fará nem cócegas no problema de enchentes na região do mercadão da Lapa. O motivo desse projeto "esdruxulo" me parece bem claro; foi divulgado no inicio do ano que o prefeito Bruno Covas pretendia permitir a construção de prédios sobre piscinões em SP, criando o "direito de laje",  o que leva a crer que essa obra foi encomendada por alguma construtora interessada apenas em se apropriar dessa área pública, incluindo o trecho de RUA. A construção do piscinão seria só para viabilizar a mutreta.


Covas quer permitir a construção de prédios sobre piscinões em SP
21/03/19 ÀS 16:54 
Folhapress
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), disse nesta quinta-feira (21) que empresas poderão ter o direito de construir sobre piscinões como contrapartida para a manutenção dessas áreas na cidade. 
Essa é uma das ideias que estão sendo analisadas pela gestão Covas para livrar a prefeitura do custeio de manutenção e requalificação de 22 piscinões. Desde o fim de 2018, a prefeitura recebe propostas da iniciativa privada sobre o tema.
"A gente já está discutindo a mudança na legislação municipal que prevê a construção de equipamentos que não sejam públicos em cima dos piscinões", disse Covas à imprensa após um encontro nesta quinta com membros de um escritório de advocacia e com investidores. 
Por mais um ano, a cidade de São Paulo não estava preparada para as fortes chuvas de fim do verão. Covas chegou a decretar situação de emergência devido o impacto das chuvas. O jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem que o estado de São Paulo e a prefeitura gastam menos da metade do previsto em drenagem. 
Covas diz que a legislação municipal atual já permite a construção de equipamentos públicos, como é o caso da praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, que está sobre os pilares de um enorme piscinão que recebe água das chuvas de parte da região central e da zona oeste.  
"O que a gente quer é também a possibilidade de construir equipamentos privados, para que o concessionário ganhe o direito de laje [de construção] em cima desses piscinões", disse. 
De maneira geral, os piscinões podem ser abertos (geralmente mais rasos e com maior área) ou fechados (mais profundos e com a vantagem de serem melhor integrados à paisagem da cidade). 
Praticamente todos os piscinões na cidade de São Paulo são do tipo aberto e rebaixados em relação ao nível da rua, o que exigiria adaptações de engenharia para a construção de prédios nesses locais.
De qualquer forma, para funcionarem, os piscinões precisam estar sempre limpos e sem sedimentos, o que exige custos da prefeitura. 
Covas diz ainda que procurou a Sabesp para saber se é possível tratar a água acumulada em um dia de chuva no piscinão, para que essa água tratada seja também uma receita acessória dos eventuais concessionários.

A proposta, porém, é difícil de ser viabilizada, uma vez que o tratamento de água conforme os padrões exigidos pela legislação exige controle e previsibilidade do fluxo e da qualidade da água a ser tratada. Os dois elementos são difíceis de se ter durante uma tempestade em São Paulo.

( Fonte 1  só para assinantes da Folha de SP -  Fonte 2 )

9 comentários:

  1. Consulta pública nebulosa. A SIURB não publicou em seu site,os cadernos técnicos das bacias envolvidas.
    O terreno só super mercado tem 4.570 m2. Daria para fazer a obra e ainda sobraria uns 1000 m2 para criar um parque linear na lateral, para conter a poluição difusa e percolar parte da chuva.

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    1. Olá. Acabei de atualizar a postagem incluindo sua citação de um parque. Obrigado pelo comentário.

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  2. Obrigada e parabéns pelo excelente texto! Esclarecedor, que deslegítima a construção de um piscinão que destruirá a Praça! Gostariamos de uma matéria sobre drenagem sustentável,jardins de chuva,galerias que drenam as chuvas, calçadas sustentáveis!

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    1. Olá. Acabei de atualizar a postagem incluindo sua sugestão. Obrigado pelo comentário.

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  3. Estamos engajados na luta! Ninguém toca!

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  4. Depois de ler o texto do Blog do Tano entendi o porque do termos esdruxula. Realmente a localização do piscinão teria uma redução de menos de 30% das águas pluviais que escoam pelo córrego Tiburtino. E só apontaria uma correção, pois tanto a proposta de se fazer a retenção no cruzamento com a Rua Coriolano em diversos terrenos particulares, quanto a da Rua Clélia num terreno público reduziria em mais de 70%, mas em se tratando de política pública a opção de uso da parte sub-utilizada do antigo Hospital Sorocabana seria o mais recomendado. Já quanto a exploração da laje e que parte do viário da
    Rua Ponta Porã estar incluso, só conhecendo o projeto como um todo, pois a única planta apresentada só mostra a implantação do tanque de retenção e não a do urbanismo depois de implantado, que pode muito bem se manter a via e área verde sobre a laje, como ocorreu na Praça Charles Miller no Pacaembu.
    Max Marim Botias
    Arquiteto e Urbanista

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    1. Olá Max, muito obrigado por seu comentário. Na praça do Pacaembu não existem arvores, somente gramado, enquanto que essa praça possui arvores bem grandes que precisariam de ter terra pelo menos uns dois metros de altura. Sim, a lage pode suportar o trafego em sua superfície e assim a rua Pontaporã poderia ser reaberta após a execução da obra. Porém, não parece que seja essa a intenção da prefeitura. Pra começar, só o fato de tomarem decisões apressadas, sem a participação do povo, já indica que tentam esconder de todos até estar tudo assinado e não ter como reverter. Depois, a matemática entrega a inutilidade dessa obra para o que ela se propõe. Além de receber as águas de apenas 29% da bacia do córrego Tiburtino, um piscinão na praça São Crispim, com capacidade de armazenar 21,5 mil m3, conforme o projeto, já encheria com uma chuva de apenas 25mm, sendo que os temporais que provocam transtorno na cidade são acima de 50 mm, podendo até ultrapassar 100mm. Há que se descontar nessa conta o volume que pode ser escoado pelas galerias, mas num calculo grosseiro já percebe-se que essa "solução" não solucionará nada, não fará nem cocegas no problema de enchentes na região do mercadão da Lapa. O motivo desse projeto "esdruxulo" me parece bem claro; foi divulgado no inicio do ano que o Covas pretendia permitir a construção de prédios sobre piscinões em SP, criando o "direito de laje" ( veja em https://www.bemparana.com.br/noticia/covas-quer-permitir-a-construcao-de-predios-sobre-piscinoes-em-sp#.XgrR59JKiUk ), o que leva a crer que essa obra é encomendada por alguma construtora interessada apenas em se apropriar dessa área pública, incluindo o trecho da rua Pontaporã. A construção do piscinão é só para viabilizar a mutreta.

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  5. Existe alguma ação popular em andamento ou que possa ser criada para impedir esta obra?

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  6. Prezado Tano, agradeço à citação à minha dissertação de mestrado submetida ao IPT sobre Infraestrutura verde para combate a enchente. De fato temos que refinar o olhar e pensar em soluções harmoniosas de convívio com nossas águas pluviais. Parabéns pelo Blog e conte comigo para o que for necessário. Grande Abraço - e:mail sccarvalho.paulo@gmail.com

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